Cesário [presidente da Bogalha]: “Fomos sempre uma associação com um papel interventivo na cidade”

Há 32 anos nasceu a Bogalha. Na sua génese esteve o atual presidente, Adolfo Fernandes, ou Cesário, como todos o conhecem. Dos seus 68 anos, 32 foram dedicados à instituição que construiu e que cresceu consigo. Após algumas mudanças de instalações, a inclusão de outros serviços e valências e o abraçar de novos projetos, o presidente tem ainda um sonho por concretizar: a abertura de um lar “totalmente diferente dos que já existem”.
Hoje, olha para trás com um sentimento de realização. “O que me dá prazer é sentir a maneira como os miúdos encaram a Bogalha: não apenas como um espaço, mas como se fosse uma segunda casa”, confessa.

Como surgiu a Bogalha?
A Bogalha nasceu quando eu trabalhava na Segurança Social. Eu fazia parte de um organismo de trabalhadores da Segurança Social e na altura o diretor queria fazer alterações de horários, mas tinha alguma dificuldade em gerir horários porque o pessoal era todo novo e por isso muitos tinham filhos pequenos. Então, falou comigo e com outro colega da instituição para nos propor a criação de uma instituição que desse cobertura às necessidades das funcionárias da Segurança Social. Enquanto não se legalizou como uma instituição autónoma começou por CCD [Centro de Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Segurança Social e Saúde do Distrito de Braga], com sala de Jardim de Infância e uma sala de ATL. Foi no dia 3 de junho de 1986 que abriu portas. Começou como uma coisa atípica, depois tratou-se de arranjar os estatutos para uma instituição nova e foi aí que nasceu a Bogalha.

E porquê o nome Bogalha?
Porque quando eu era miúdo o nome que popularmente dávamos a jogar à bola na rua era “jogar à bogalha”. Não dizíamos “vamos jogar à bola”, dizíamos “vamos jogar à bogalha”, portanto associei “bogalha” à bola, a crianças, a brincadeira.

Na altura o que é que idealizava, o que é que projetava para a Bogalha?
Fomos sempre pensando alto, daí a razão de sairmos das instalações onde estávamos, que eram limitadas em termos físicos para aquilo que pretendíamos, e avançarmos para a construção deste edifício onde nos encontramos, que até já é pequeno para aquilo que se pretende fazer. Fizeram-se muitas coisas, passaram milhares de miúdos por aqui, hoje já temos cá muitos filhos de ex-alunos da Bogalha. Nasceu uma coisa pequena e foi aumentando. Fomos sempre uma associação com um papel interventivo na cidade, com participação. Existem algumas limitações no que diz respeito a apoios. Há uns anos havia muito mais, e não digo isto em relação a apoios financeiros, que nunca tivemos, refiro-me mais a apoios logísticos, apoios a nível de divulgação.

Esse papel interventivo na cidade concretizou-se e refletiu-se em que iniciativas/projetos?
Chegámos a organizar a milha de Braga, em atletismo, tivemos uma grande participação e um grande número de crianças que aderiram aos cabeçudos, fomos a primeira instituição a participar na Braga Romana – no primeiro ano ninguém sabia o que aquilo era mas nós arriscámos e fomos a única instituição que participou no primeiro desfile -, chegámos a organizar o “Xadrez Humano” na Arcada. Algumas coisas que foram marcantes na cidade.

No que diz respeito à intervenção social, o que é que a Bogalha tem feito?
A ação social surgiu quando passámos para este edifício. Fizemos um protocolo com o gabinete do Rendimento Social de Inserção (RSI), um protocolo à parte, com a Segurança Social, que abrange a freguesia de S. Victor. Associado a isso já tivemos ligações com o Banco Alimentar, que agora estão mais esfriadas. Dentro da instituição também apoiamos miúdos com algumas dificuldades.

A Bogalha foi mudando de instalações ao longo do tempo… Porquê essas mudanças?
Começámos na Rua 31 de Janeiro, numa vivenda nas traseiras da Segurança Social. Depois fomos despejados, então fomos para a parte de baixo da Clínica de Santa Tecla, montámos ali o Jardim de Infância e o ATL foi para uma casa na Rua D. Pedro V. Depois decidimos que, ou partíamos para um projeto novo, ou fechávamos tudo, e foi quando partimos para este projeto. Mudámos para estas instalações há 14 anos.

(Planta do primeiro edifício da Bogalha)

Como surgiu o SAD (Serviço de Apoio Domiciliário)?
Foi fruto da procura por parte das famílias que tinham cá as crianças e que também tinham os avós com algumas dificuldades. Face a esse levantamento, resolvemos criar o SAD.

Que sonhos gostaria de ver concretizados? O que é que ainda gostava de ver acontecer na Bogalha?
Um lar. Mas um lar totalmente diferente dos que existem por aí. Tenho o projeto na cabeça, até tenho nome para o lar… Não é propriamente um lar, mas sim a “Aldeia da Bogalha”, um lar totalmente diferente dos que já existem. Teria quartos com boas dimensões, com casa de banho, só com uma cama. Só teria duas camas se o utente assim o pretendesse. Cada quarto teria uma varanda com uma mesa e três cadeiras, sem parede para a varanda, tudo em vidro. Haveria uma sala tipo bar com um micro-ondas e um frigorífico onde as pessoas pudessem lanchar com os familiares sem terem de chamar ninguém para aquecer o chá, etc.. Teria uma escola primária e um ringue, para não ser apenas um sítio de idosos. Os miúdos andavam por ali e as pessoas idosas interagiam com os miúdos. O ringue e o parque infantil iam servir também para os avós levarem lá os netos quando eles os fossem visitar, para poderem dar dois chutos na bola no ringue. Teria um café lá dentro, para não haver salas de concentração de idosos. Assim, quem quisesse tomava o pequeno-almoço no lar e quem preferisse ia ao café e pedia aquilo que lhe apetecesse. Quando os idosos recebessem visitas podiam ir com a visita ao café. O nome seria “Aldeia da Bogalha” e a escola seria a “Escola da Aldeia”. Só me falta é dinheiro! [risos]

Quais são os maiores desafios com que se depara no dia a dia?
Equilibrar financeiramente a Bogalha. De resto, aqui dá-se muito valor às iniciativas de cada um, às ideias, porque só assim é que evoluímos. Temos de ouvir e partilhar.

Qual é o sentimento quando olha para estes 32 anos de vida da instituição que viu nascer?
Um sentimento de realização. Nunca me pus em bicos de pés. O que me dá gozo é fazer isto. Nunca me viram aparecer como presidente da Bogalha… O meu maior gozo é que as coisas se façam e que as crianças se sintam felizes, se sintam bem aqui. O que me dá prazer é sentir a maneira como os miúdos encaram a Bogalha: não apenas como um espaço, mas como se fosse uma segunda casa.

Como foi o seu percurso na Bogalha?
Só sou presidente há cerca de oito anos. Nunca quis ser presidente. Fui secretário e fui vogal. Trabalhava na Segurança Social e depois do horário de trabalho é que vinha para cá, nunca trabalhei aqui a tempo inteiro. Nunca houve nenhum dirigente a tempo inteiro na Bogalha. Só passei a estar aqui a tempo inteiro quando me reformei, há oito anos. Uma das coisas em que sempre pensei foi na preparação para a reforma, em ter algo que me ocupasse o tempo. Não me estava a ver na reforma a ir para os cafés e estar sentado oito horas por dia. Tinha de arranjar algo que me mantivesse ativo, pelo menos mentalmente.

Há algum episódio ou alguém que recorde de uma forma especial?
A coisa mais marcante foi mesmo quando abrimos a Bogalha, que foi com o Neto [atual funcionário]. O Neto entrou para a Bogalha oito dias antes da abertura da instituição. Esteve na preparação, na decoração do espaço, desde a semana anterior à abertura. Está comigo desde a primeira hora.

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